O excesso de informação e o vazio da experiência: o sujeito na era das redes sociais
- psicojessicagoncal
- 4 de set.
- 2 min de leitura
– Mecânico.
Foi assim que ela descreveu a própria vida.
– Mecânico? – perguntei
– Tudo tem dia e hora marcada. Acordar, trabalhar, postar, dormir.
– Mas o que acontece nos intervalos entre uma hora e outra?
Ela pensou, e disse:
– Nesse intervalo, mergulho nas redes sociais.
Lá, encontro um mundo que parece vivo, mas não é.
As pessoas vendem o melhor ângulo, a versão editada de si mesmas.
E eu, como tantos outros, fico presa nesse espetáculo.
Melhor do que viver é fingir viver — porque assim, não corro o risco de estragar a imagem que acredito ser.
Não é só uma sensação. No Brasil, passamos em média 3 horas e 46 minutos por dia nas redes sociais (We Are Social, 2024).Quase quatro horas presas a telas, num laço que mais captura do que conecta.
Lacan já nos dizia que o sujeito se constitui no olhar do Outro. Mas o que acontece quando esse olhar é filtrado, editado, retocado com ideais neoliberais?
Se o desejo nasce na falta, nas redes ele parece nascer da comparação infinita — sempre faltando mais, sempre querendo mais.
O mal-estar está aí: 45% dos brasileiros afirmam que as redes sociais prejudicam sua saúde mental (Cetic.br, 2023).O eu se esgota tentando sustentar um ideal imaginário.
Um eu que nunca se basta.
Maria Rita Kehl lembra que a depressão, em nossa época, não pode ser vista apenas como doença individual. Em O tempo e o cão (2009), ela a descreve como o sintoma de um tempo em que o sujeito perde o eixo do desejo e se vê diante do vazio que a castração revela.
Se em outros tempos havia espaços para elaborar essa falta, hoje ela se torna intolerável.
É preciso correr sem parar, consumir, exibir, nunca falhar.
Mas nesse movimento mecânico, o desejo se apaga — e com ele, a vida perde cor.
Entre os jovens, e principalmente entre mulheres, o impacto é ainda maior: 15% das meninas entre 16 e 24 anos dizem que as redes sociais afetam muito negativamente o bem-estar (Ofcom, 2023).
Talvez porque sobre o corpo feminino recaia uma exigência de perfeição ainda mais cruel.
E assim seguimos: quatro horas por dia tentando existir no olhar do outro.
Mas, no fundo, sabemos que não é o outro que vemos — é só um reflexo do nosso próprio vazio.
Talvez seja hora de perguntar: o que resta de nós quando a tela se apaga?


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